A crise da Igreja é uma, a da sociedade é outra. Uma não vai sem a outra. Houve quem acusasse os cristãos de terem uma religião que não passa de um mundo ilusório: Mas não reconhecemos nós hoje outros mundos totalmente diferentes, esses sim verdadeiramente ilusórios, os mundos ilusórios dos mercados financeiros, dos meios de comunicação social, do luxo e da moda? Não temos nós de assistir penosamente ao afundamento iminente de um ilusório mundo moderno quer está a perder os seus valores? Se não veja-se um sistema bancário que destrói enormes patrimónios nacionais. Temos uma vida a alta velocidade que nos põe literalmente doentes. Há o universo da Internet, para o qual ainda não temos nenhuma resposta. Para onde vamos, na verdade? Podemos de facto fazer tudo o que conseguimos fazer?
E, olhando para o futuro: como é que a próxima geração vai resolver os problemas que lhe deixamos em herança? Tê-la-emos preparado e tornado suficientemente apta? Será que possui um fundamento que lhe dê força e segurança para poder, também ela, ultrapassar tempos tumultuosos?
A questão que se coloca é igualmente a seguinte: se a Cristandade no Ocidente perder a sua força estruturante da sociedade, quem ou o quê vai assumir o seu lugar? Uma sociedade civil que não é religiosa e que não tolera nenhuma referência a Deus na sua Constituição? Um ateísmo radical que luta de forma veemente contra os valores da cultura judaico-cristã?
É de todos os tempos a pretensão de declarar Deus morto e de se virar para o supostamente mais palpável, ainda que sejam bezerros de ouro. A Bíblia está cheia dessas histórias. Têm mais a ver com as forças da tentação do que com uma fraca capacidade de atracção da fé. Para onde caminha então uma sociedade afastada de Deus?, uma sociedade sem Deus? Não assistimos já recentemente, no séc. XX, a essa experiência no Ocidente e no Oriente? E às suas consequências terríveis: povos derrotados, chaminés, nos campos de concentração, o Gulag assassino?
in Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos (Uma conversa com Peter Seewald), Lucerna, Cascais 2010, págs. 8 e 9