terça-feira, 12 de outubro de 2010

Mafalda Arnauth: a fadista que não quer deixar as pessoas down




Diz que a dieta a faz sonhar com pastelarias e que não se revê no fatalismo do fado. Mas abriu uma excepção para "Fadas", o novo álbum

Mafalda Arnauth vai esta semana para Itália. Um concerto em Florença e outro em Roma começam já a provocar-lhe a normal ansiedade que antecede uma subida a palco no estrangeiro - e obriga-a a pensar o alinhamento como se fosse uma história: "Faço uma espécie de best of de carreira." Mas esta viagem tem uma surpresa - revelada com entusiasmo na primeira pessoa: "Vou cantar com Franca Mazza uma versão traduzida para italiano de ''O Mar Fala de Ti''. Tenho de levar um gravador para registar o momento, é imperdível", confessa.

"Fadas", o seu novo álbum, lançado esta semana, vai ficar em repouso até Janeiro do próximo ano, "altura em que será feito um concerto de apresentação". Enquanto o ano novo não chega, o disco, "que é uma óptima opção de prenda de Natal", fica a amadurecer. Como se de um vinho de casta se tratasse.

No ano em que assinala 15 anos de carreira, Mafalda Arnauth gravou uma compilação de tributo ao "universo das almas fadistas lusitanas". O disco "Fadas" chegou ontem às lojas e é o resultado de um percurso musical de quase dois anos. Onze faixas que marcam um regresso às origens, numa viagem que relembra "Pomba Branca" ou "Rosinha dos Limões", imortalizadas pela voz de Max, com paragem obrigatória no tema de Artur Piazzolla "Inverno Porteño".

"Este disco é uma feliz coincidência que nasceu a partir de um concerto no Castelo de S. Jorge, em 2008. Na altura gravei a base musical mas o nome só surgiu agora, depois de ter assimilado a reacção do público e de o ter deixado repousar", conta Mafalda Arnauth ao i. Na verdade, o novo disco é uma epopeia musical que conta a história das vozes incontornáveis do fado. Pode, numa primeira audição, remeter para um universo exclusivamente feminino, mas a fadista explica que esse foi só um ponto de partida: "Obviamente, Amália Rodrigues ou Beatriz da Conceição serviram de alimento e inspiração, mas depois descobri outros temas que, embora fossem cantados por mulheres, tinham letra e música pensada por homens. E não podia deixar de fora a parte da composição."

Positivista assumida, diz não se rever na temática típica da fatalidade - a mesma que é cantada no "Fadas", um álbum que conta "dores cantadas de outros tempos". No seu terceiro álbum de originais abandonou a postura sofredora e virou--se para temas mais alegres e de final feliz. "Foi uma fé de que eu ganho muito mais se acreditar nas coisas. Se não quero estar down porque é que vou imprimir isso nas pessoas? Percebi, a determinado ponto, que me estava a acomodar àquela tristeza... a melancolia pode ser um lugar muito confortável. Por isso mudei essa minha personalidade, que na verdade não me acrescentava nada". Outra coisa que mudou foram os hábitos - pessoais e profissionais. Deixou de fumar há cinco anos, mas a ressaca de nicotina fá-la sonhar, de vez em quando, com cigarros. Agora que "o desejo já sossegou", apareceu novo vício: bolos. "Fiz uma dieta séria e desde então sonho com pastelarias", confessa a fadista, que diz também já ter deixado de depender dos rituais de backstage. "Agora é só quando tenho tempo. Se puder ninguém me tira as minhas velas e o meu incenso." Põe a equipa toda a tossir, mas não faz mal, é por uma boa causa: "Quero paz e sossego antes de um espectáculo." E silêncio, claro, que é assim que se canta o fado.

in Jornal "i", 12 de Outubro de 2010, por Nelma Viana
Mafalda Arnauth - Firenze/Itália, Auditorium Flog/Festival Musica dei Populi - 15/10/2010 - 21.30h
Mafalda Arnauth - Roma/Itália, Auditorium Parco della Musica/Sala Petrassi - 16/10/2010 - 21.00h