Diz o Profeta, falando ao Pai a respeito do Filho: Fizeste-O um pouco inferior aos Anjos. Assim convinha, com efeito, que superasse os Anjos na humildade Aquele que os superava na sublimidade da sua glória, e que fosse tanto menor que eles quanto é inferior o ministério a que Se consagrou. E, no entanto, Ele é tanto superior aos Anjos quanto mais excelso que o deles é o nome que recebeu em herança.
Mas talvez perguntes: Em que é que Ele Se fez inferior aos Anjos, quando veio para servir, uma vez que também os Anjos, como dizíamos acima, são enviados para exercer um ministério? É que Ele não só serviu mas também foi servido, e era o mesmo Aquele que servia e era servido. Justamente por isso, dizia a Esposa no Cântico dos Cânticos: Ele aí vem, atravessando as montanhas, elevando-se sobre as colinas. Quando serve, Ele atravessa por entre os Anjos, mas quando é servido eleva-Se muito acima deles. Os Anjos servem, mas do que não lhes pertence: oferecem a Deus as boas obras, não suas mas nossas, e trazem-nos a graça, não sua mas de Deus. Por isso, quando a Escritura diz que o fumo dos aromas subia das mãos do Anjo à presença de Deus, teve o cuidado de advertir anteriormente que lhe tinham sido dados muitos aromas. São os nossos suores e não os seus, as nossas lágrimas e não as suas que eles oferecem a Deus; e os dons que nos trazem também não são seus, mas de Deus.
Não é assim aquele Servo, mais sublime que todos os outros mas também mais humilde que todos. Ofereceu-Se a Si mesmo como sacrifício de louvor; ofereceu ao Pai a sua vida e nos dá ainda hoje a sua carne. Não admira, portanto, que, por causa de tão glorioso Servo, os santos Anjos se dignem, ou melhor, queiram da melhor vontade, assistir- nos. Eles amam-nos, porque Cristo nos amou.
Digo-vos isto, meus irmãos, para que de hoje em diante tenhais maior confiança nos santos Anjos e invoqueis com maior familiaridade o seu auxílio em todas as necessidades, e também para que procureis tornar a vossa vida mais digna da sua presença, conciliar cada vez mais os seus favores, captar a sua benevolência, implorar a sua clemência.
Sendo assim, pensai bem quanta solicitude devemos ter também nós, irmãos caríssimos, para nos tornarmos dignos da sua companhia, para vivermos na presença dos Anjos, de modo a não ofendermos nunca a santidade do seu olhar. Ai de nós, se alguma vez, provocados pelos nossos pecados e negligências, nos julgarem indignos da sua presença e da sua visita, e tivermos de chorar e dizer com o Profeta: Os meus amigos e companheiros fogem da minha desgraça e os que andavam comigo ficam ao longe, enquanto os violentos procuram tirar-me a vida. Porque, então, teríamos realmente afastado de nós aqueles que com a sua presença podiam amparar-nos e repelir o inimigo.
Por isso, se nos é tão necessária a companhia familiar que se dignam ter connosco os Anjos, evitemos com todo o cuidado ofendê-los e exercitemo-nos com generosidade nas obras que sabemos serem do seu agrado. Há de facto muitas coisas que lhes agrada e deleita encontrar em nós: sobriedade, castidade, pobreza voluntária, frequentes gemidos e súplicas ao Céu, orações com lágrimas e de coração atento. Mas o que acima de tudo exigem de nós os Anjos da paz é a união e a paz. Será, porventura, estranho que eles ponham as suas delícias principalmente nestas virtudes que reproduzem uma certa imagem da sua cidade e que lhes permitem admirar uma nova Jerusalém na terra? Digo-vos, portanto, que assim como aquela cidade santa forma tão belo conjunto pela sua perfeita unidade, assim também nós devemos manter a unidade de sentimentos e doutrina, afastando do meio de nós toda a espécie de cisma, para formarmos todos um só Corpo em Cristo.
(Sermão 1, Na Festa de S. Miguel Arcanjo, 2-3.5: Opera omnia, Ed. Cisterc. 5 [1968], 295-297)