Tinha razão o grande Vinicius de Moraes quando escreveu: "A vida é feita de encontros, mas há tanto desencontro na vida!" Cada dia é uma confirmação desta frase, uma certificação desta tese, um sufrágio desta percepção.
Sonhamos com a paz e vamo-nos atolando no lamacento estendal da guerra. Queremos desenvolvimento e deparamos com a crise. Ansiamos por justiça e afundamo-nos permanentemente na injustiça. Enfim, somos o que não queremos. E não conseguimos ser o que desejamos.
Este desencontro afecta as pessoas e não deixa de lado as instituições. É, por exemplo, sumamente curioso verificar como há uma crescente procura de espiritualidade fora do âmbito religioso. É legítimo, sem dúvida. Mas convenhamos que é também um pouco estranho. É legítimo porque a liberdade impõe que se respeite as opções de cada um e as referências de cada qual. A estranheza, porém, fará a sua aparição: é que as religiões estão em condições priviligiadas para saciarem esta sede e satisfazerem esta busca.
Cada uma a seu modo, as religiões estão habilitadas para assegurar um encontro da pessoa consigo mesmo. Porque é que não o estão a fazer? Nietzsche sentia que "o Homem é o ser mais distante de si mesmo" e Karl Ranner anotava a convicção de que "só Deus é a resposta total à total interrogação do Homem."
Como entender, então, este falhanço? Como enquadrar este equívoco? Não será caso para fazer uma avaliação? Não será oportuno apurar a fiabilidade das religiões? Será que elas estão a corresponder ao que lhes é pedido?
Uma religião existe não apenas para transmitir ensinamentos. Ela existe sobretudo para melhorar a vida das pessoas. Tal melhoramento pode incluir, como é óbvio, a transmissão de conteúdos doutrinais e preceitos éticos. Só que tudo isso se insere numa oferta de sentido que tem de ser percebida. Será que estamos a conseguir? Muitas vezes, a nossa vivência religiosa limita-se ao ritualismo, descuidadndo-se a vivência, o sabor e o compromisso. Tornamo-nos quase autómatos na repetição do que nos ensinaram e abdicamos de valorizar o que dizemos.
É evidente que o problema não está nas fórmulas nem nos ritos. Estes encerram uma sabedoria enorme e uma pertinência imensa. O problema está na ligeireza com que os encaramos e no modo como (não) extraímos todo o potencial que têm.
O que é mais perturbador é saber e sentir que transportamos um potencial extraordinário e não tiramos dele qualquer partido. Deus é mistério de simplicidade, jovialidade, candura, amor, simpatia, acolhimento e estima. Infelizmente, os nossos relacionamentos ainda estão muito pautados pela frieza, pelo ressentimento, pela arrogância e pela prepotência.
Urge, pois, revisitar as nossas raízes. Há virtualidades inauditas no Evangelho que professamos e no património espiritual que nos está confiado. É tempo de redescobrir a beleza do gesto, a importância da atitude, o calor do cumprimento. É hora de nos alegrarmos com o sorriso da criança. De irmos ao encontro do idoso e de lhe oferecermos o melhor presente: o presente da presença!
É pena que, às vezes, nos pareçamos com o palhaço da estória de Kierkegaard e que Joseph Ratzinger inclui no seu livro Introdução ao Cristianismo. O acampamento do circo estava a arder, o palhaço, já revestido para o espetáculo, veio à aldeia pedir ajuda. Só que toda a gente olhou para ele e ninguém o levou a sério. Até pensaram que era um número de circo bem conseguido!
É fundamental que nós, crentes, reganhemos credibilidade para o anúncio. É pelo testemunho de vida que atrairemos os outros para Jesus Cristo!
TEIXEIRA, João António Pinheiro, "Paixão de Deus pelos Homens", Lisboa, Ed. Paulus, 2011, págs. 128-130