Quando a Virgem concebe, virgem dá à luz e permanece virgem, isso não
entra na ordem da natureza, mas dos sinais divinos; não é segundo a
razão humana, mas conforme ao poder de Deus; é o Criador que actua, não a
natureza humana; não é caso comum, mas único; é obra divina e não
humana. O nascimento de Cristo não foi consequência necessária da
natureza, mas do poder de Deus. Foi o mistério da piedade, a redenção da
humanidade. Aquele que, sem nascer, fez o homem do barro intacto,
fez-Se homem nascendo de um corpo também intacto. A mão que se dignou
tomar o barro para formar o nosso corpo, também se dignou tomar a nossa
carne para nos salvar. Por isso, o facto de o Criador estar na sua
criatura e de Deus habitar em carne humana, é uma honra para a criatura e
não uma afronta para o Criador.
Ó homem, porque te consideras tão
vil, tu que és tão precioso para Deus? Porque é que, sendo tu tão
honrado por Deus, tanto te desonras a ti mesmo? Porque perguntas de que é
que foste feito e não queres saber para que foste feito? Porventura
todo este mundo que vês não foi feito para ser tua morada? Para ti foi
criada a luz que dissipa as trevas que te circundam; para ti foi
regulada a sucessão dos dias e das noites; para ti foi iluminado o céu
com o variado fulgor do sol, da lua e das estrelas; para ti foi
ornamentada a terra com flores, bosques e frutos; para ti foi criada a
admirável multidão dos seres vivos que habitam nos ares, nos campos e
nas águas, a fim de que uma triste solidão te não ensombrasse a alegria
do mundo recém-criado.
Mas o teu Criador pensou no modo de aumentar
ainda mais a tua glória: gravou em ti a sua própria imagem, para que
houvesse na terra uma imagem visível do Criador invisível, e colocou-te
como seu representante sobre as coisas terrenas, para que um domínio tão
vasto como é o mundo não ficasse privado de um vicário do seu Senhor.
Deus,
na sua bondade, assumiu em Si o que para Si tinha feito em ti; quis ser
visto realmente no homem, onde antes apenas era contemplado como
imagem; quis que nele fosse uma realidade o que antes era apenas uma
semelhança.
Cristo nasce, portanto, para renovar com o seu nascimento
a natureza corrompida; fez-Se criança, quis ser alimentado, passou
pelas diversas idades da vida humana, para restaurar a única idade
perfeita e permanente como Ele a tinha criado; toma sobre Si a vida
humana, para que o homem não volte a cair; tinha-o feito terreno e
torna-o celeste; tinha-lhe dado uma alma humana e agora comunica-lhe o
espírito divino; e assim eleva o homem à dignidade divina, para que
desapareça tudo o que nele havia de pecado, de morte, de fadiga, de
sofrimento, de terreno, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é
Deus e vive e reina com o Pai na unidade do Espírito Santo, agora e
sempre e pelos infinitos séculos dos séculos. Amen.
(Sermão 148: PL 52, 596-598) (Sec. V)
in Liturgia das Horas