Comecei a festejar este dia desde 1983. A verdade é que só me recordo talvez aí para década de 90 das comemorações deste dia.
O que mudou entretanto? Essencialmente mudaram as pessoas, o mundo e a forma como vejo hoje o mundo.
A nós, geração de 80, o que nos diz a nós o 25 de Abril de 1974? Uma geração que foi educada por uma grande maioria de gente que à data de 1974 seriam adolescentes ou teriam a entrar na idade adulta, ou até ainda seriam crianças. Na verdade, somos a geração descendente da geração da transição.
A nós, o 25 de Abril de 1974 ainda nos toca cá no fundo de nós mesmos. Não vivemos, não escutamos, não percepcionamos, mas temos a passagem directa de testemunho. Um testemunho com três marcas cheias de simbolismo: liberdade, fraternidade e igualdade.
Somos a geração daqueles que tiveram o testemunho directo dos anos de autoritarismo, austeridade e medo. Somos a geração que tivemos o testemunho directo de uma guerra colonial que dizimou jovens que à data teriam a nossa idade. Somos a geração que tivemos a passagem de testemunho deste dia, do que aconteceu, do que foi vivido, do que foi escutado e do que foi visto. Somos a geração do testemunho directo da liberdade e da democracia, que mais tarde nos apelidaram como a geração RASCA.
Nós somos a geração da liberdade e da democracia, na responsabilidade, não na libertinagem. Não podemos que valores como a liberdade e a democracia caiam por terra.
Neste dia, não vou escrever, sobre o que se passou durante a última semana. Simplesmente quero falar sobre o que este dia a mim me diz em concreto.
Sempre ouvi em casa os meus pais contar sobre o que se passou neste dia. E todos os anos há uma coisa nova. A versão deles, é a verdade e vale o que vale. A versão de quem foi apanhado desprevenido, porque de política sabia-se pouco ou nada. A versão de quem tinha medo de proferir o nome Salazar, Governo, Política e Poder. A versão de quem tinha medo de fumar ao pé do patrão. A versão de quem tinha medo. No entanto, sinto que este dia fê-los mudar, no entanto os esquemas cognitivos ficaram. As reminiscências dos tempos em que não se falava, em que o silêncio era a palavra de ordem. Tudo isto ficou lá bem no fundo do ser.
À distância de 35 anos e sem a vivência daquele dia posso dizer que provavelmente a esta hora não escreveria aqui. E se escrevesse não passaria de um caderno que teria de ser muito bem escondido em minha casa.
Neste dia, como José Miguel Martins Serrão, recém-licenciado em História, só poderei dizer um singelo OBRIGADO!!! (muito pequeno, e muito humilde) A quem lutou para que nós hoje pudéssemos ser um país mais livre e mais democrático. Na verdade, esta herança, que os nossos pais nos deixaram, foi uma herança de ouro, de prata e de bronze.
Foi muito doloroso, acredito, momentos angustiantes, momentos de alegria, momentos de quem lhes tirava um grande fardo dos ombros.
Não quero deixar de lembrar um grande, grande alentejano que se rendeu aos encantos do Ribatejo e pegou o touro pelos cornos: Capitão Salgueiro Maia. Este homem não pode ser branqueado nos anis da História. Só a coragem e a determinação dele foi possível, poder falar sem o lápis azul, ser cidadão-livre. Poder falar na rua, estar com amigos, conviver.
Mas, afinal, o que andamos nós a fazer, a geração da liberdade e da democracia? Será que também temos medo? Será que andamos a deitar um herança de ouro para o lixo? Será que também temos medo?
Somos nós, a geração de 1980 que cabe a nós a concretização da abertura das portas que Abril abriu. Não podemos deixá-las fechar. Devemos exigir um país que nos dê futuro, a nós e aos mais velhos, e às gerações vindouras. Devemos exigir um país com um bom sentido de justiça. Na verdade, o que me preocupa não é se o caso Freeport, Apito Dourado, Maddie, Joana, Casa Pia sejam julgados, o que me preocupa é a falta de exigência por parte do povo português para que estes casos sejam julgados com a máxima celeridade e bem julgados.
O que me preocupa é ver o meu país a desfalecer dia para dia e o povo não reage, não exige, deixando o futuro à mercê dos que o governam.
"Ai, Portugal! Portugal! Do que é que estás à espera?", diz Jorge Palma numa das suas letras. Mais uma vez estamos a colocar a cabeça na areia e deixamo-nos estar à espera que outros resolvam.
Se, na verdade, queremos um país livre, mais justo, mais democrático, mais igualitário, mais fraternal. temos de ser nós! Temos de ser nós a enfrentar os nossos problemas. Não podemos ficar à espera que venham outros resolvê-los. Se tudo isto se passar ao contrário, mesmo nos próximos anos, coloco a pergunta: de que valeu a angústia, o sofrimento, a revolta de Portugal no dia 25 de Abril de 1974? Não valeu de nada...
é por isto, que afirmo àquela geração a quem foi passado o testemunho da liberdade, da fraternidade e da igualdade, é a geração que compete exigir bons governantes, bons políticos e um país que nos dê futuro a nós e aos mais velhos.
Não podemos continuar nesta mesquinhez e neste preconceito entre esquerda e direita. Abril não foi da esquerda nem da direita, foi para aqueles que naquele dia acreditaram na democracia, no PODER DO POVO.
"O Povo é quem mais ordena dentro de ti! Oh, cidade!"
Sinais do Tempo...