terça-feira, 5 de junho de 2012

Das Cartas de São Bonifácio, bispo e mártir

A Igreja é como um grande navio que navega pelo mar deste mundo. Sacudida pelas diversas ondas da adversidade nesta vida, não deve ser abandonada a si mesma, mas tem de ser governada.
Na primitiva Igreja temos o exemplo de Clemente e Cornélio e muitos outros na cidade de Roma, de Cipriano em Cartago, de Atanásio em Alexandria, os quais, sob o reinado dos imperadores pagãos, governaram a barca de Cristo, melhor, a sua dilectíssima esposa, que é a Igreja, ensinando-a, defendendo-a, passando trabalhos e sofrimentos até ao derramamento do sangue.
Ao pensar nestas figuras e noutras semelhantes, estremeço de receio; o temor e o terror apoderam-se de mim e quase me submergem as trevas dos meus pecados; e muito me agradaria abandonar de todo o leme da Igreja, se encontrasse precedentes semelhantes nos Padres ou na Sagrada Escritura.
Mas sendo assim, e dado que a verdade pode ser contestada, mas não vencida nem enganada, refugia-se a nossa alma fatigada n’Aquele que nos diz pela boca de Salomão: Tem confiança no Senhor com todo o teu coração e não confies na tua prudência. Em todos os teus caminhos pensa no Senhor e Ele dirigirá os teus passos. E noutro lugar: O nome do Senhor é uma torre fortíssima. Nela se refugia o justo e será salvo.
Permaneçamos firmes na justiça e preparemos as nossas almas para a provação; suportemos a dilação de Deus e digamos-lhe: Senhor, Vós Vos tornastes o nosso refúgio de geração em geração.
Confiemos n’Aquele que colocou sobre nós este fardo. Como o não podemos levar sozinhos, levemo-lo com o auxílio d’Aquele que é omnipotente e nos diz: O meu jugo é suave e a minha carga é leve.
Mantenhamo-nos firmes no combate no dia do Senhor, porque vieram sobre nós dias de angústia e de tribulação. Se Deus quiser, morramos pelas santas leis dos nossos antepassados, a fim de merecermos alcançar com eles a herança eterna.
Não sejamos cães mudos, não sejamos sentinelas silenciosas, não sejamos mercenários que fogem do lobo, mas pastores solícitos que velam pelo rebanho de Cristo, pregando toda a doutrina de Deus ao grande e ao pequeno, ao rico e ao pobre, a todas as classes e idades, enquanto Deus nos der forças, oportuna e importunamente, tal como São Gregório escreveu na sua Regra Pastoral.

 (Carta 78: MGH, Epistolae, 3, 352-354) (Sec. VIII)
in Liturgia das Horas