Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio
Jesus. Só este discípulo estava ausente; e, ao voltar e ouvir contar o
que acontecera, negou-se a acreditar no que ouvia. Veio outra vez o
Senhor e apresentou ao discípulo incrédulo o seu lado para que lhe
pudesse tocar, mostrou-lhe as mãos e, mostrando-lhe também a cicatriz
das suas chagas, curou a ferida daquela incredulidade. Que pensais,
irmãos caríssimos, de tudo isto? Julgais porventura ter acontecido por
acaso que aquele discípulo estivesse ausente naquela ocasião, que ao
voltar ouvisse contar, que ao ouvir duvidasse, que ao duvidar tocasse e
que ao tocar acreditasse?
Tudo isto não aconteceu por acaso, mas por
disposição da providência divina. A bondade de Deus actuou de modo
admirável, a fim de que aquele discípulo que duvidara, ao tocar as
feridas do corpo do seu Mestre curasse as feridas da nossa
incredulidade. Mais proveitosa foi para a nossa fé a incredulidade de
Tomé do que a fé dos discípulos que não duvidaram; porque, enquanto ele é
reconduzido à fé porque pôde tocar, a nossa alma põe de parte toda a
dúvida e confirma-se na fé. Deste modo, o discípulo que duvidou e tocou,
tornou-se testemunha da realidade da ressurreição. Tocou e exclamou:
Meu Senhor e meu Deus. Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé,
acreditaste. Ora, como o apóstolo Paulo diz: A fé é o fundamento dos
bens que se esperam, a prova das realidades que não se vêem, torna-se
claro que a fé é a prova da verdade daquelas coisas que não podemos ver.
Pois aquilo que se vê já não é objecto de fé, mas de conhecimento
directo. Então, se Tomé viu e tocou, porque é que lhe diz o Senhor:
Porque me viste, acreditaste? É que ele viu uma coisa e acreditou
noutra. A divindade não podia ser vista por um mortal. Ele viu a
humanidade de Jesus e fez profissão de fé na sua divindade exclamando:
Meu Senhor e meu Deus. Portanto, tendo visto acreditou, porque tendo à
sua vista um homem verdadeiro, exclamou que era Deus, a quem não podia
ver.
Muita alegria nos dá o que se segue: Felizes os que não viram e
acreditaram. Por esta frase, não há dúvida que somos nós especialmente
visados, pois não O vimos em sua carne, mas possuímo-l’O no nosso
espírito. Somos nós visados, desde que as obras acompanhem a nossa fé.
Na verdade só acredita verdadeiramente aquele que procede segundo a fé
que professa. Pelo contrário, daqueles que têm fé apenas de palavras,
diz São Paulo: Professam conhecer a Deus, mas negam-n’O por obras. A
este respeito diz São Tiago: A fé sem obras é morta.
(Hom. 26, 7-9: PL 76, 1201-1202) (Sec. VI)
in Liturgia das Horas