Diz o Evangelista: Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados
filhos de Deus. Com razão florescem as virtudes cristãs naquele que
possui a harmonia da paz cristã, porque não merecem o nome de filhos de
Deus senão os que trabalham pela paz.
É a paz, caríssimos, que
liberta o homem da sua condição de escravo e lhe dá o título de livre,
que muda a sua condição perante Deus, transformando-o de servo em filho,
de escravo em homem livre. A paz entre os irmãos é a realização da
vontade de Deus, a alegria de Cristo, a perfeição da santidade, a norma
da justiça, a mestra da doutrina, a guarda dos bons costumes e a justa
ordem em todas as coisas. A paz é a recomendação das nossas orações, o
caminho mais fácil e eficaz para as nossas súplicas, a realização
perfeita de todos os nossos desejos. A paz é a mãe do amor, o vínculo da
concórdia e o claro indício da pureza da alma, capaz de exigir de Deus
tudo o que quer: pede tudo o que quer e recebe tudo o que pede. A paz
deve conservar-se a todo o custo, segundo os mandamentos do nosso Rei. É
o que diz Cristo nosso Senhor: Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. O
que equivale a dizer: «Deixo-vos em paz, em paz vos quero encontrar».
Ele quis dar, ao partir, aquilo que deseja encontrar em todos no seu
regresso.
É mandamento do Céu conservarmos a paz que nos foi dada;
uma só palavra resume o que desejou Cristo na despedida: voltar a
encontrar o que nos deixou. Plantar e enraizar a paz é obra de Deus;
arrancá-la de raiz é obra do Inimigo. Porque, assim como o amor fraterno
provém de Deus, assim o ódio vem do demónio. Por isso devemos apartar
de nós toda a espécie de ódio, pois está escrito: Quem odeia o seu irmão
é homicida.
Vedes portanto, amados irmãos, a razão por que devemos
amar a paz e estimar a concórdia: são elas que geram e alimentam a
caridade. Sabeis, como diz o Apóstolo, que a caridade vem de Deus. Está,
portanto, longe de Deus quem não tem caridade.
Por conseguinte,
irmãos, guardemos estes mandamentos que são fonte de vida, Procuremos
conservar-nos sempre unidos no amor fraterno pelos laços duma paz
profunda e fortalecer o amor recíproco mediante o salutar vínculo da
paz, que cobre a multidão dos pecados. Seja a maior aspiração da nossa
alma este amor fraterno, que traz consigo todo o bem e todo o prémio. A
paz é virtude que devemos conservar com grande empenho, porque onde há
paz aí habita Deus.
Amai a paz e em tudo encontrareis tranquilidade
de espírito. Deste modo assegurareis o nosso prémio e a vossa alegria, e
a Igreja de Deus, fundada na unidade da paz, manter-se-á fiel aos
ensinamentos de Cristo.
(Sobre a paz: PL 52, 347-348) (Sec. V)
in Liturgia das Horas