Na perfeição da sua natureza espiritual e em virtude da sua
inteligência, os anjos são chamados desde o princípio a conhecer a
Verdade e a amar o Bem, que conhecem muito mais plena e perfeitamente do
que ao homem é possível. Este amor mais não é do que o acto duma
vontade livre [...] que é sinónimo duma possibilidade de escolha a favor
ou contra esse mesmo Bem, ou seja, o próprio Deus. Nunca é demais
repetir o que já dissemos a seu tempo a propósito do homem: ao criar
livres os homens, Deus quis que, no mundo, se realizasse este amor
verdadeiro que só é possível tendo como base a liberdade; por isso quis
que a criatura, formada à imagem e semelhança do seu Criador (Gn 1,26),
pudesse assemelhar-se-Lhe da forma mais plena possível, a Ele que «é
amor» (1Jo 4,16). Ora, ao criar esses espíritos puros como seres livres,
Deus, na Sua Providência, não podia também deixar de prever a
possibilidade do pecado dos anjos. No entanto, precisamente porque a
Providência divina é Sabedoria eterna capaz de amar, Deus saberia tirar
da história deste pecado [...] o bem definitivo de todo o universo
recém-criado.
Com efeito, como afirma claramente a Revelação, o mundo dos espíritos
puros está dividido em bons e maus. [...] Como havemos de compreender
tal distinção? Os Padres da Igreja e os seus teólogos não hesitam em
falar de uma cegueira produzida por uma sobrevalorização da perfeição do
seu próprio ser, levada ao ponto de ofuscar a supremacia de Deus que,
ao contrário, supunha uma atitude de submissão e de obediência. Tudo
isso se encontra expresso de maneira concisa nas palavras «Não
servirei!» (Jr 2,20), manifestação radical e irreversível da recusa em
tomar parte na edificação do Reino de Deus no mundo criado. Satanás, o
espírito rebelde, quer o seu próprio reino, não o de Deus, assim se
erguendo em adversário primeiro do Criador, opondo-se à Sua Providência
como antagonista da sabedoria cheia de amor de Deus. Desta revolta e
deste pecado de Satanás, tal como do do homem, devemos tirar a seguinte
conclusão, expressa nas sábias palavras da experiência da Escritura, que
afirma: «O orgulho é causa de ruína» (Tb 4,13).
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