quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma certa "Cristofobia"

Em que consiste a liberdade: em "permitir" ou em "impedir"? Creio que ninguém hesitará na resposta nem duvidará dos príncipios. Acontece que quando descemos do plano do príncipios para o plano da realidade, as coisas são bem diferentes.


Os princípios nem sempre se reflectem nas atitudes, nem sempre se espelham na existência. Ninguém nega que a liberdade tem sempre um sentido positivo. Uma liberdade com uma vocação arbitrariamente impeditiva será digna do nome liberdade?


Às vezes, dá a impressão de que, para muitos, a liberdade religiosa serve sobretudo para impedir (ou, no mínimo, dificultar a sua expressão). Estranho? Mas é o que se vê. De há uns tempos para cá que, de cada vez que uma figura da Igreja aparece em público, surgem também vozes contra essa presença.


Qual o motivo dessa animosidade? Não se assume, ao contrário do que seria expectável, qualquer desamor pela fé ou pelas igrejas. Invoca-se, tão somente, a supracitada liberdade religiosa. Complicado? Mas é o que se sente. E pressente. Ao menos, podia haver sinceridade e não retorcer conceitos. Que liberdade é esta que impede a expressão pública das diversas componentes da sociedade?


A liberdade ficaria em causa se alguém ousasse obstaculizar a expressão de uma determinada confissão. A liberdade estaria em risco se essa presença obrigasse alguém a tomar uma posição contra a sua vontade. Mas a liberdade fica ameaçada quando muitos requerem a presença do religioso e vêem dificultada a sua pretensão.


É claro que tudo isto tem uma génese, um percurso. E terá um desfecho. Trata-se do problema que Joseph Weiler denominou "cristofobia". Como refere George Weigel, há vastas franjas da cultura europeia largamente "cristofóbicas e os europeus descrevem as suas culturas e sociedades como pós-cristãs".


Não se nega que o Homem possa organizar o mundo sem Deus. Pode. Só que, como alertava Henri de Lubac, "sem Deus, ele só o pode organizar contra o Homem"! E, como lembra George Weigel, é inquestionável que "o Homem europeu se convenceu de que, para ser moderno e livre, tem de ser radicalmente secular".


Sucede que esta percepção não tem incidências apenas sobre as religiões; tem-nas também - e de que maneira! - sobre a vida, globalmente considerada. "O Homem europeu está, deliberadamente, a esquecer a sua História." O Cristianismo não pode ser mencionado no tratado constitucional da Europa. Poria em jogo a imparcialidade. Mas o laicismo emerge como uma espécie de "ideologia pública e oficial pan-europeia." Agora, já não se fere a imparcialidade?


Uma Europa que reconheça a presença do Cristianismo não é - assevera Joseph Weiler - uma Europa exclusiva ou necessariamente confessional; é uma Europa que respeita igualmente todos os seus cidadãos: crentes e "laicos", cristãos e não cristãos; é uma Europa que, ao mesmo tempo que celebra a herança nobre do humanismo iluminista, também abandona a sua cristofobia e não teme nem se sente embaraçada com o reconhecimento de que o Cristianismo é um dos elementos centrais na evolução da sua civilização.


No fundo, o que subjaz a toda esta discussão são duas concepções de liberdade: uma inclusiva, outra excludente. Trata-se da "liberdade como possibilidade" versus "liberdade como imposição". Para uns, a liberdade é, acima de tudo, um meio para se poder atingir a excelência e a felicidade. Inclui, portanto, quanto há de melhor no ser humano. Estamos no domínio da opção. É, pois, uma liberdade que abre. No pólo oposto, encontramos a liberdade desligada de qualquer referência superior. Não admite qualquer abertura: enquista em si mesma. Encontramo-nos no âmbito da imposição. É, por isso, uma liberdade que fecha.


O que vai persistindo, na hora que passa, é a liberdade da imposição. O problema é que, como exorta George Weigel, "as consequências serão consideráveis!" E pouco positivas...



in TEIXEIRA, João António Pinheiro, "Paixão de Deus pelos Homens", Lisboa, Ed. Paulus, 2011, págs. 29-31