sábado, 8 de dezembro de 2012

A Restauração e a Imaculada Conceição



O início de Dezembro, é marcado por trazer à memória da nobre nação portuguesa dois dias de grande relevo para a história deste Povo-Nação. O primeiro dia de Dezembro recorda-nos a Restauração da Independência, em 1640, e a chegada ao trono de D. João IV, depois de 60 anos de domínio da coroa espanhola.
            Associado ao dia 01 de Dezembro e a todo o movimento da Restauração está o dia 08 de Dezembro, momento em que não só recordamos a coroação de Nossa Senhora, sob o título da Imaculada Conceição, pelo então rei de Portugal, D. João IV, como também meditamos o dogma da Imaculada Conceição de Maria definido pelo papa Pio IX, em 1854.
            Desde os primeiros tempos da nacionalidade que os governantes portugueses têm dispensado grande atenção ao culto da Virgem Santa Maria. Atenção essa que vincula não só uma identidade cultural, mas também uma espiritualidade de um Povo, manifestada ao longo dos anos.
            A justificação, para este facto, poderá ter diversas interpretações à luz da História. O certo é que, o gesto da coroação de Nossa Senhora da Conceição, por D. João IV, na conjuntura político-social da época, é interpretado, pela ciência histórica, não só como uma expressão de Fé, como também, a busca pela legitimidade do poder quer junto do Povo português, quer perante a comunidade internacional, a começar pela Santa Sé. A este propósito diz-nos António H. de Oliveira Marques, que a Santa Sé recusou-se terminantemente a reconhecer a secessão de Portugal.[1] Na verdade, em Portugal, o clero estava dividido. Curas locais e monges humildes parece terem apoiado o duque de Bragança. Dentro das altas hierarquias já o panorama se apresentava muito diferente. Os bispos estavam irremediavelmente divididos quanto às suas tendências políticas.[2]
D. João IV, como novo monarca português não gozava por certo de uma posição invejável. Todo o seu reinado (1640-56) foi uma sucessão de desaires na diplomacia europeia e uma situação pouco próspera na economia interna, só compensados por meia dúzia de triunfos militares em Portugal que impediram uma invasão espanhola em larga escala.[3] Na verdade é errado, pensar-se que o período restauracionista português é um tempo pacifico. Em bom rigor, a este respeito António H. de Oliveira Marques revela-nos que em Junho de 1641 foi descoberta  uma conspiração contra o rei, onde participavam algumas das melhores famílias da aristocracia. Também intervieram na conspiração membros da burguesia, da alta burocracia e do alto clero. Registaram-se outras conspirações; menos ameaçadoras talvez, mas ainda assim reveladoras de certo descontentamento contra o regime.[4] Para além disto a guerra da Restauração mobilizou todos os esforços que Portugal podia depender.[5]
Como podemos perceber, Portugal era um país que vivia um clima de alguma instabilidade, em que o “novo-Rei” teria de ser o garante da estabilidade, o restabelecimento da independência e o factor emergente para a consolidação de um novo regime na Nação agora restaurada.
Na verdade, embora a Coroação de Nossa Senhora da Conceição, como padroeira e rainha de Portugal, em 25 de Março de 1646, em Lisboa, fosse por parte do poder uma procura para confirmar e dar-lhe legitimidade, importa ressalvar que existe aqui uma expressão de Fé, por parte do Rei e da parte do próprio Povo. Por isso o Rei procura que “todas as cidades, vilas e lugares de seus reinos tomassem por Padroeira a Virgem Nossa Senhora da Conceição”.[6]
Assim, em 1646, a Universidade de Coimbra, jura a fidelidade ao dogma da Imaculada Conceição, bem como em 1654, a pedido de El-Rei, as Câmaras de todas as cidades portuguesas mandaram afixar nas portas das respectivas muralhas, lápides alusivas à consagração de Portugal a Nossa Senhora.[7]
A confirmação da eleição de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira de Portugal, surge de Roma, pelo breve Eximia dilectissimi, de 08 de Maio de 1671.
De tal modo a Imaculada Conceição caracteriza a espiritualidade dos portugueses, que durante séculos o dia 08 de Dezembro foi celebrado como "Dia da Mãe" e João Paulo II incluiu no seu inesquecível roteiro da Visita Pastoral de 1982 dois Santuários que unem o Norte e o Sul de Portugal: Vila Viçosa no Alentejo e o Sameiro no Minho. O dia 08 de Dezembro transcende o "Dia Santo" dos Católicos e engloba indubitavelmente a comemoração da Independência de Portugal, que o dia 01 de Dezembro retoma. O feriado do dia 08 de dezembro é religioso, mas é também celebrativo da cultura, da tradição e da espiritualidade da alma e da identidade do povo português.[8]
                josé miguel martins serrão


[1] MARQUES, A. H. de Oliveira, “História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais”, vol. II, Editorial Presença, Lisboa 1998, pág. 188
[2] MARQUES, A. H. de Oliveira, “História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais”, vol. II, Editorial Presença, Lisboa 1998, pág. 185 e 186
[3] MARQUES, A. H. de Oliveira, “História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais”, vol. II, Editorial Presença, Lisboa 1998, pág. 186
[4] MARQUES, A. H. de Oliveira, “História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais”, vol. II, Editorial Presença, Lisboa 1998, pág. 188
[5] MARQUES, A. H. de Oliveira, “História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais”, vol. II, Editorial Presença, Lisboa 1998, pág. 189
[6] VASCONCELOS, António Garcia Ribeiro de, “O Mysterio da Immaculada Conceição e a Universidade de Coimbra”, Coimbra 1904, pág. 92, in Simão Pedro Aguiã, “A Virgem Maria: Padroeira e Rainha de Portugal e de todos os povos de língua portuguesa”, Civilização Editora, Porto 1996, pág. 115
[7] AGUIÃ, Simão Pedro, “A Virgem Maria: Padroeira e Rainha de Portugal e de todos os povos de língua portuguesa”, Civilização Editora, Porto 1996, pág. 119.

[8] COUTO, Francisco e COELHO, Francisco Senra, “Fé e Cultura: A Imaculada Conceição e a História de Portugal”, in http://www.snpcultura.org/imaculada_conceicao_e_historia_portugal.html, 12/09/2012